A rua é a unidade mínima da cidade. Espaço dos encontros e desencontros, da alegria e do medo. Lugar onde nos aproximamos, cruzamos, esbarramos no outro. Às vezes um outro tão longe socialmente, que nem a proximidade física dilui nossa estranheza. E não nos estapeamos e nos matamos, o tempo todo, porque ainda temos as nossas civilidades. O bom dia, senhora! Salve, doutor! As civilidades do dia a dia diluem algumas asperezas da distância, amenizam as diferenças brutais. Dominar essa linguagem afetuosa, por mais automática e sem profundidade de sentido que seja, significa ter competência citadina. Capacidade de se comportar adequadamente nas situações, nos ritos de interação.
Mas a rua está localizada no bairro. E este tem seu caráter, tem sua história, tem sua cultura. Nele predominam grupos sociais, segmentos da sociedade que se encaixam em padrões de representações próprios, embora em conssonância com a ordem geral das coisas. Bairros assentados na tradição, como Tijuca ou Urca, bairro que sofreram gentrificações recentes, como o Leblon e a Gávea. Nesses enclaves da cidade operam-se mudanças sucessivas, com a chegada e saída de moradores. Um bairro pode se proletarizar ou, ao contrário, se aburguesar. Quase sempre num processo lento, porém firme, puxado por forças econômicas, como o mercado imobiliário, o comércio, entre outros.
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Tenho presenciado um processo de gentrificação (aburguesamento) em Botafogo, onde vilas, prédios baixos dos anos 40-50, estão sendo demolidos para dar espaçoa a prédios distanciados da rua, autossuficientes em serviços e alto custo financeiro. Os novos vizinhos têm uma percepçção de regras de civilidade distinta daquelas dos moradores mais antigos, que ainda se reúnem na porta das vilas, ao cair da tarde, ainda acompanham o futebol no botequim da esquina, enquanto pegam o resultado do jogo do bicho. São vizinhos que se conhecem como moradores e como profissionais, cujo ofício dá identidade a eles.
As diferenças resultam em conflitos. Pequenos entreveros cotidianos. O cheiro da fumaça do churrasco na esquina que incomoda; o barulho da batucada nos dias de festa; e, de outro lado; o distanciamento dos novos moradores, guardados em suas torres; os hábitos de consumo que provocam o encarecimento dos preços de bens e serviços etc. Botefogo vive esse processo. Reclamações na prefeitura do samba de roda no botequim, de um lado, o fechamento de comércios tradicionais para o surgimento de outros serviços mais especializados e caros. Barbeiro vira cabelereiro; oficina mecânica vira concessionária; botequim vira restaurante; mercearia vira supermercado.
Os grupos de moradores se cruzam na rua, nas filas dos bancos, nas bancas de jornais e outros pontos. E os mundos seguem distintos e distantes, costurados apenas nas civilidades cotidianas.
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